“Hamlet Meu fardo
me conclama e me torna cada artéria
tão rija quanto os
nervos do leão
De Neméia. Outra vez ele me chama:
Largai-me, meus amigos; pelos
santos,
farei fantasma a quem me detiver
larga-me, digo! - vamos, vou
seguir-te
(saem fantasmas e Hamlet)
Horácio Ele se exalta na imaginação.
Marcelo vamos segui-lo. Não o
obedeçamos.
Horácio Vamos. O que sairá de tudo
isto?
Marcelo Algo está podre aqui na
Dinamarca.”
Estou assim, como Marcelo, sentindo um
cheiro que não tem lugar, aliás, sempre gostei desta passagem em
Hamlet, mas nunca me fez um sentido até então, pois achava que
gostava, por ela ser a menção de um problema longe de mim. Porém,
tenho uma ligação muito forte com a Dinamarca, ou mais
carinhosamente chamada de Danmark. Desde meus 15 anos, tenho
contato com um casal de senhores dinamarqueses, que na ultima vez que
os visitei, por temer ser a ultima oportunidade de reencontrá-los em
vida, eles me apresentavam para todos os vizinhos como sendo o “filho
brasileiro”. A Troels, minha mãe dinamarquesa, fez meu doce de
morango dinamarquês favorito, não que eu tenha comido muitos, mas
foi o que ela fez da ultima vez que passei por lá.
Na realidade esta passagem me diz de algo próximo, de algo que é meu, mais que de qualquer um.
Na realidade esta passagem me diz de algo próximo, de algo que é meu, mais que de qualquer um.
Mais que cheiro, eu sinto que não
vibro, que há um silêncio, há algo estranho dentro de mim. Nada
reflete, nada encaixa, apenas os movimentos na musica. Na formalidade
de meu comprometimento com o projeto e nada mais.
Minha reflexão começa há alguns meses
atrás, quando uma amiga me pergunta:
- Ti, você está sentindo algo
estranho? Então respondo, o que eu tinha para aquele momento, mas
não era somente aquilo que eu estava sentindo, era a discriminação
sentimental possível. Ela que levanta a ideia que refletia dentro de mim, a falta de vibração.
- acho que tem ligação com o tema
desse ano. Nossa conversa não foi muito adiante, mesmo porque
estávamos no horário para entrar. Neste mesmo dia, houveram duas
outras coisas. A primeira foi a dificuldade de entrar na Club (neste
momento, me questionei se era somente a questão física ou não).
Senti-me isolado, para fora, mas até ai, acreditava que poderia ser
a minha maneira de ser, de ser reservado, de ser fechado.
Mais tarde, depois de um encontro sem
ensaio propriamente dito, e depois de muita conversa, de reviver o
momento que "Pretty Woman" foi apresentada como sendo o tema da proxima apresentação, justamente quando estava num momento tenso
com minha mãe e que hoje, não estou mais, sempre resignificando,
até que, um amigo me pergunta.
- Tiago, você está muito calado, o que
acontece?
- não sei, ainda estou muito confuso.
Referia-me sobre o silêncio que estava dentro de mim.
Na mesma semana, mudança de horário.
Tive que mudar um pouco meus planos, podendo participar apenas como
uma metade de mim. O que me deixou mais encucado. Estava ficando mais
distante.
Algo que deveria vibrar e não estava
vibrando, não tinha raiva ou amor, ou qualquer coisa e assim foi nos
ensaios, apenas a técnica, uma perna, um braço, posse. Isso não significa que não brinquei, ou me diverti, mas algo me faltava. Minha
vontade está sem vibração, como se estivesse sendo abandonado de
lado, assim, como deixamos aquele brinquedo que tanto gostavamos de
lado por não fazer mais sentido... mas o que deixou de fazer
sentido?
O pior sentimento é a indiferença,
mas porque estaria indo para esse sentido? Normalmente, acontece
quando me defendo de algo que possa me ferir... mas o que estava me
ferindo? Seria o fato de não “existir” mais "Santa Club"? Com o
punho erguido. O que aconteceu de um tempo para cá? O que aconteceu
que não reflete dentro de mim? Que fuga é essa que preciso me
colocar indiferente, repetindo os movimentos sem uma emoção sequer,
apenas no ritmo, sem deixar a emoção apoderar de mim.
Na sexta-feira do feriado, tive um
encontro, fui ver um filme de dinossauro com uma amiga muito querida,
e o filme era ruim, mas o reencontro fez algo vibrar em nossa
conversa, entre nosso contato, que me levou a escrever este texto,
pois percebi que estava abandonando parte de mim, que não consegue
seguir em frente... e o que fazer para recuperar esta outra parte?
Quais fantasmas preciso enfrentar para conseguir sentir novamente?
Seria o medo de meus “pais dinamarqueses” morrerem e, com isso, eu
deixar de existir na Dinamarca?
Ou como O Teatro Mágico diria:
"enquanto houver você do outro lado/ Aqui do outro eu consigo me
orientar". Estou sem oriente, sem orientação, talvez, por não
sentir, por ser tomado pelo silêncio, pela falta de reverberação
em mim, algo que antes não havia. Não tem a tensão da arte, apenas da
técnica e o abandono de algo que me foge, que me silencia que me
entristece, que me faz repetir os movimentos, somente por repeti-los,
e não por amar ou odiar aquele movimento, não é o chão, ou o
pular, é apenas um mover sem sentido.
Curioso comportamento, acabei de
sentir um aperto no coração, mandei um e-mail para Addy and Troels
(meus pais dinamarqueses) perguntando como eles estão, algumas lágrimas ensaiaram a sair,
desde o começo do ano, não falo com eles e esse texto me
impulsionou a escrevê-los e um sentido se fez, a "Saudade". E qual é
o sentimento que estou na dança?? Nos movimentos da vida?... no
abandono de mim mesmo em busca de minha exatidão, no abandono para
não sentir o aperto no coração de não ter noticias de pessoas que
foram importantes, de pessoas queridas, no abandono de mim para
terminar logo, no abandono de mim.... de mim... de eu mesmo... no
silencio... sem eco... sem retorno... ou no barulho... sem escuta...
seja no silencio ou no barulho, o que deveria aflorar ficou ali,
preso em minha caixa, que temo abri e prendo Pandora para ela também não abri-la.
A esperança é incerta e o processo pode ser mais doloroso do que posso realmente aguentar. Os reencontros é o que estrutura uma boa ou má relação, neste momento percebo que deixei muitos contatos que poderia ter mantido, mas também faz sentido deixarmos de lado, assim como faz sentido lutar por outros contatos, assim como também brigar por eles e com eles... Qual é o reencontro que preciso acontecer...
A esperança é incerta e o processo pode ser mais doloroso do que posso realmente aguentar. Os reencontros é o que estrutura uma boa ou má relação, neste momento percebo que deixei muitos contatos que poderia ter mantido, mas também faz sentido deixarmos de lado, assim como faz sentido lutar por outros contatos, assim como também brigar por eles e com eles... Qual é o reencontro que preciso acontecer...